Carlos Neves
Grupo Português de Retina e Vítreo
Selecionei um artigo que não traz novidades sobre a Retina mas sim sobre o universo das publicações científicas: o texto é de Holden Thorp, o editor da Science, e nele aborda o trabalho de Alondra Nelson, uma socióloga altamente condecorada, nomeada pelo Presidente Joe Biden como Directora Adjunta para a Ciência no Gabinete de Política Científica e Tecnológica (OSTP) em 2021, e que deixa um legado de elaboração de políticas científicas que encorajam a equidade. No mundo da publicação científica, Nelson será recordada por um memorando que estabelece requisitos para o acesso público a resultados da investigação que tenham recebido apoio federal. O “memorando Nelson”, como é vulgarmente referido, oferece diferentes vias para este fim: um artigo científico pode ser publicado numa revista de acesso aberto; alternativamente, os autores podem depositar um artigo que tenha sido aceite por uma revista (mas ainda não publicado) num repositório público. Nelson afirma que tornar “o ecossistema do conhecimento mais equitativo de diferentes formas” requer uma estratégia multifacetada que considere os países de baixo e médio rendimento assim como instituições que trabalham com minorias.
Ricardo Parreira
Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo
ERN GENTURIS tumour surveillance guidelines for individuals with neurofibromatosis type 1
No contexto atual do SNS, a gestão dos timings de seguimento dos nossos doentes, no balanço entre o que seria ideal e aquilo que é possível ou razoável, é uma dificuldade comum na prática clínica de todos os Oftalmologistas Pediátricos. Este artigo, apoiado pela European Reference Network on Genetic Tumour Risk Syndromes (ERN GENTURIS), aborda estratégias de vigilância dos tumores associados à Neurofibromatose tipo 1(NF1), nomeadamente o Glioma da Via Óptica e o Neurofibroma Plexiforme.
Escolhi este artigo porque, apesar de já existirem guidelines sobre cuidados médicos na NF1, carecem de integração com a prática clínica do dia-a-dia. Neste artigo são fornecidas guidelines de vigilância no contexto Europeu, com timings considerados adequados aos cuidados necessários a estes doentes, tentando evitar consultas ou exames auxiliares de diagnóstico desnecessários. Além disso, é discutido o papel da Tomografia de Coerência Óptica (OCT) e da Ressonância Magnética de Corpo Inteiro neste contexto.
AAPOS uniform guidelines for instrument-based pediatric vision screen validation 2021
Instrument Referral Criteria for PlusoptiX, SPOT and 2WIN Targeting 2021 AAPOS Guidelines
Em 2013, a Associação Americana de Estrabismo e Oftalmologia Pediátrica (AAPOS) atualizou as guidelines de 2003, para rastreio e referenciação de crianças pré-escolares avaliadas com instrumentos capazes de detetar fatores de risco potencialmente ambliogénicos. No entanto, nesta publicação, não foi considerada a prevalência dos erros refrativos na população, o que resultou em sobre-referenciação de astigmatismo e hipermetropia e sub-referenciação de anisometropia. Em 2022 foram publicadas novas guidelines pela AAPOS, tendo em conta estes fatores, com a expetativa de reduzir o número de falsos positivos referenciados. Incentivando a validação e adaptação dos diferentes equipamentos disponíveis a estas guidelines, o mesmo autor comparou, num outro artigo, os resultados de três instrumentos distintos de fotorefração com a refração cicloplégica oftalmológica, para adequar os cut-offs de referenciação de cada instrumento, às guidelines revistas pela AAPOS. No nosso contexto nacional atual, em que o Programa de Rastreio de Saúde Visual Infantil (RSVI) apresenta uma adesão crescente por parte da população, a análise e reflexão sobre estes artigos afigura-se pertinente, dada a discrepância entre a capacidade de rastrear e a capacidade de avaliar oftalmologicamente as crianças referenciadas.
Nuno Alves
Grupo Português de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia
João Feijão
Grupo Português de Cirurgia Implanto-Refrativa
Este estudo pré-clínico revela a eficácia do Losartan, usado em formulação tópica, na redução da opacidade corneana. Aparentemente, este fármaco anti-hipertensor sistémico quando usado na superfície ocular, atua reduzindo a produção de colágeno tipo IV via modulação TGF-B, diminuindo a ativação de miofibroblastos e assim a densidade da cicatriz fibrótica corneana. Em alguns centros, nomeadamente na América do Sul, já está a ser aplicado “off label” em doentes com haze corneano pós-cirurgia refrativa com resultados interessantes. Eventualmente este estudo pode ter aberto uma nova linha terapêutica médica numa área sem alternativas terapêuticas válidas.
Lígia Ribeiro
Grupo Português de Neuroftalmologia
Diagnosis and classification of optic neuritis
A descoberta de anticorpos específicos para alguns tipos de nevrite ótica, o surgimento da tomografia de coerência ótica no seu diagnóstico e evolução, os avanços na neuroimagem, os novos dados epidemiológicos dos diferentes subgrupos e a emergência de opções terapêuticas dirigidas tornam necessária e urgente uma nova classificação das neuropatias óticas inflamatórias. Neste contexto, o grupo liderado por Axel Petzold publicou um position paper na The Lancet Neurology sobre os critérios de diagnóstico e a classificação das nevrites óticas. A informação reunida pelo método Delphi envolveu 101 especialistas de 60 países, tendo contado com a participação de 3 colegas portugueses. Segundo o painel, o diagnóstico definitivo de nevrite ótica requer manifestações clínicas atribuíveis a neuropatia ótica, juntamente com um ou mais critérios paraclínicos (achados no OCT, RMN ou biomarcadores). No artigo é proposto um esquema de classificação baseado nas dimensões clínicas, serológicas e anatómicas e discutida a abordagem terapêutica.
Podem ouvir o Dr. Petzold discutir o estudo no The Lancet Neurology’s podcast, disponível no Spotify, Player FM e Apple Podcasts.
A equipa de investigação da Universidade de Coimbra liderada pela Professora Manuela Grazina desenvolveu uma metodologia que permite a identificação das três variantes patogénicas mais frequentes (Top3) que representam 95% do total de alterações genéticas identificadas na Neuropatia Ótica Hereditária de Leber, num período de 24 horas, com grande sensibilidade e especificidade. Esta abordagem pioneira na suspeita de LHON pode agilizar as decisões diagnósticas e terapêuticas. O artigo “GenEye24: Novel Rapid Screening Test for the Top-3 Leber’s Hereditary Optic Neuropathy Pathogenic Sequence Variants” foi publicado na revista Mitochondrion.
Nádia Lopes
Grupo Português de Órbita e Oculoplástica
Role of teprotumumab in the treatment of active moderate-to-severe Graves’ orbitopathy
Neste artigo, redigido pelo endocrinologista Luigi Bartalena, é avaliado o papel do teprotumumab, anticorpo monoclonal que inibe o receptor do fator de crescimento semelhante à insulina, no tratamento das formas moderada a severa de orbitopatia tiroideia.
O teprotumumab foi autorizado pela FDA em 2020, para o tratamento da orbitopatia de Graves, contudo a sua utilização ainda não foi aprovada na Europa.
Tal como os corticosteróides e.v, , mostrou ter uma ação altamente eficaz no tratamento das alterações inflamatórias. No entanto, com o teprotumumab, verificou-se uma maior eficácia na resolução dos quadros de diploplia e de exoftalmia, com redução marcada dos valores de exoftalmometria, comparáveis aos obtidos após descompressão orbitária.
Apesar dos resultados encorajadores, antes de preterir os corticosteróides como terapêutica de primeira linha, alguns aspectos relacionados com o teprotumumab devem ser abordados, nomeadamente o seu custo elevado e avaliação do perfil de segurança a longo prazo.
João Breda
Grupo Português de Investigação
Visual Field Endpoints for Neuroprotective Trials: A Case for AI-Driven Patient Enrichment
A inteligência artificial (IA) promete revolucionar a forma como lidamos com doentes, desde o diagnóstico até ao tratamento. Mas na verdade promete muito mais… No campo da investigação pode ter um impacto tremendo. Uma publicação recente mostra como a IA pode tornar a investigação mais custo-eficaz- o que pode abrir novos horizontes no estudo de áreas complexas e que requerem seguimentos prolongados, como o glaucoma e, dentro deste, a neuroprotecção.
Este estudo, que representou um esforço conjunto de dois grupos de investigação (David Crabb e Aaron Lee), mostrou como a IA pode identificar doentes de maior risco, que mais provavelmente irão sofrer progressão precocemente, conseguindo assim conduzir ensaios clínicos com menos doentes e menores tempos de seguimento.
Dão como exemplo que para um estudo a 3 anos, com 80% poder para detetar uma diferença e um tamanho do efeito de 30%, o modelo de IA conseguiu reduzir a amostra de doentes de 1656 para 636. Se não houvesse seleção pelo modelo de IA, para obter o mesmo resultado com 636 doentes, seriam necessários 5 anos de ensaio clínico.
Como todos sabemos, um único dia de ensaio clínico acarreta enormes custos. Esta nova via pode permitir realizar ensaios terapêuticos (e não só) que, de outra forma, seriam abandonados.
Vanda Nogueira
Grupo Português de Inflamação Ocular
Após o início do programa global de vacinação para a COVID-19 em 2021, os efeitos adversos oculares começaram a ser descritos, com inúmeras publicações a surgir nos últimos meses e refletindo os efeitos adversos oftalmológicos identificados. Os benefícios da vacinação são muito maiores do que o risco de inflamação ocular associado. Mas é imperativo que o oftalmologista conheça os seus potenciais efeitos adversos e que antecipe uma abordagem correta.
Com a aprovação das vacinas num contexto de emergência, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças prolongou o período do programa de registo de efeitos adversos (Vaccine Adverse Event Reporting System), uma plataforma de vigilância passiva que permite identificar e alertar em tempo útil para potenciais efeitos não anticipados.
Baseando-se nestes registos entre 2020 e 2022, Singh et al. estudaram o risco de uveíte associada à vacina para o SARS-Cov-2. Durante este período, um total de 1.250310 efeitos adversos foram reportados (correspondendo a 0,06% de todas as doses de vacina), incluindo 1094 uveítes, sendo estas últimas mais frequentes em mulheres. Observaram-se em indivíduos com idade média de 46.24 ± 16.93 e foram mais frequentes após a primeira dose da vacina, com cerca de 50% dos casos diagnosticados na primeira semana e 75% no primeiro mês. Poucos doentes tinham história de COVID-19 prévia (0,8%), de uveíte (9.6%), ou de doença sistémica auto-imune (1.2%). A uveíte anterior foi a mais comum (44,9%), mas outros tipos de inflamação ocular estão descritos tanto nesta plataforma como na literatura, como casos de episclerite, esclerite anterior, rejeição de transplante querático, pars planitis, pan-uveíte, neuro-retinopatia macular aguda, síndrome dos pontos brancos evanescentes, coroidite multifocal, reativação de neovascularização retiniana inflamatória, reativação da doença de Vogt-Koyanagi-Harada e vasculite retiniana. Outras manifestações oftalmológicas pós-vacina estão também descritas, como neuro-retinopatia macular aguda, maculopatia média paracentral aguda, oclusão venosa ou arterial retiniana, nevrite óptica, neuropatia óptica isquémica aguda não-arterítica,paralisias de pares craneanos, trombose do seio venoso central e orbitopatia relacionada com doença de Graves. Há muitas mais análises publicadas no último ano, que vos convido a ler.
Teresa Gomes
Grupo Português de Glaucoma
Santen Receives FDA Approval for Omlonti for Primary Open-Angle Glaucoma
O relevo desta notícia prende-se com o facto de o Omlonti ser o primeiro de uma nova classe de fármacos hipotensores oculares, agonistas selectivos dos receptores EP2, da PGE2. O seu efeito hipotensor resulta da potenciação da drenagem do humor aquoso pelas vias convencional e úveo-escleral.
O estudo LIGHT (Laser in Glaucoma and Ocular Hypertension) é agora prolongado para um período de 6 anos, reforçando os bons resultados obtidos aos 3 anos. A comparação, feita com a terapêutica com colírios hipotensores, mostra superioridade do SLT nomeadamente em relação à progressão da doença, à necessidade de cirurgia de catarata, à necessidade de cirurgia de glaucoma e no que refere à Qol dos doentes. O SLT reafirma-se desta forma, como alternativa aos colírios hipotensores oculares, como primeira abordagem terapêutica do glaucoma de ângulo aberto.
Este artigo de revisão clarifica alguns conceitos e termos usados na literatura relacionada com a IA e discute ainda a aplicação desta nova tecnologia ao glaucoma. Este é um tema que estará inevitavelmente presente nos fóruns de glaucoma, sendo assim relevante estarmos informados para podermos compreender benefícios, limitações e potenciais desvantagens no seu uso.
Guilherme Castela
Grupo Português de Patologia Oncológica e Genética Ocular
Cemiplimab for Orbital Squamous Cell Carcinoma in 11 Cases
Este artigo fala-nos do tratamento do Carcinoma de Células Escamosas Orbitário avançado com Cemiplimab. Sabemos que o carcinoma de células escamosas ou espinhocelular é o segundo tipo mais comum de cancro de pele, depois do carcinoma basocelular e costuma desenvolver-se em zonas exposta ao sol. O atingimento orbitário normalmente é secundário à extensão local de tumores da pele, conjuntiva, seios perinasais e cavidade oral. O cemiplimab é um anticorpo monoclonal totalmente humano de imunoglobulina humana G4(IgG4) que se une ao receptor -1 de morte celular programada (PD-1) e bloqueia a sua interação com os seus ligandos PD-L1 e PD-L2. Está aprovado pela FDA e pela Comissão Europeia para o tratamento de adultos com carcinoma espinhocelular cutâneo metastizado ou localmente avançado que não sejam candidatos para a cirurgia ou radioterapia curativas.Nesta publicação os autores trataram 11 doentes com carcinoma de células escamosas orbitário com cemiplimab evidenciando uma taxa de eficácia em 82% dos casos (9 doentes), evitando assim a exenteração.
Esta publicação demonstra a importância, cada vez mais crescente, da imunomodulação no tratamento oncológico.
Ana Almeida
Grupo Português de Ergoftalmologia
Este estudo prospectivo de Vaz et al. avaliou o uso de lágrimas artificiais de ácido hialurónico nos sinais e sintomas de astenopia digital em participantes de uma convenção de videojogos. Os participantes foram randomizados num grupo de controlo (n=26) que adoptaram medidas ergoftalmológicas e num grupo que para além das medidas ergoftalmológicas instilaram um 1 gota de ácido hialurónico 0,15% quatro vezes ao dia (n=30). Os participantes foram avaliados no início da convenção e após 3 dias consecutivos a jogar videojogos de forma intensiva. Após os 3 dias, o grupo de controlo apresentou um aumento significativo dos sinais e sintomas de olho seco bem como de fadiga ocular. Este estudo conclui que a adição de lágrimas artificias tem um efeito protector contra a astenopia ocular associada ao uso prolongado de monitores.
Relationship between vision impairment and employment
Este artigo publicado por Chai et al. no British Journal of Ophthalmology analisou a relação entre a incapacidade visual e o desemprego. Utilizando a coorte do Singapore Epidemiology Eye Disease Study que incluiu 7608 indivíduos com um seguimento médio de 6,2 anos e uma prevalência de 20,2% (n=1536) de perda visual este estudo conclui que a perda visual mesmo que ligeira está associada ao desemprego. Os autores propõem que estudos futuros devem investigar de que forma se pode melhorar a empregabilidade em pessoas com perda visual.
What do eye care workers do when their patients go blind
Apesar dos avanços da medicina, existe uma percentagem de indivíduos que progride irreversivelmente para a cegueira. Após perda visual é suposto que os profissionais de saúde encaminhem estes pacientes para serviços de reabilitação; no entanto, isso nem sempre acontece.
Neste artigo por Adio et al. publicado no British Journal of Visual Impairment, realizaram um inquérito a profissionais de saúde visual para perceber as causas da sub referenciação. Nos casos de cegueira infantil, 87,4% dos profissionais enviam os pacientes para escolas diferenciadas, muito embora só 25% se assegura que as crianças efetivamente frequentam as mesmas. 39% admitiu que conhecer pessoalmente o paciente aumentava a probabilidade de referenciação.
Uma das conclusões dos autores é que, embora existam muitas de campanhas sobre cegueira, muito poucas se concentram no que acontece após a perda visual.
Diogo Hipólito
SPO Jovem
Gostaria de aproveitar esta rubrica para salientar uma série de colunas escritas a convite pelo Dr. Robert Osher no Journal of Cataract and Refractive Surgery desde Setembro de 2022 até à mais recente edição da revista, destinadas especificamente para os jovens oftalmologistas.
Ao longo das várias edições o Dr. Osher descreve várias manobras a serem usadas em cirurgia de catarata que poderão ajudar a prevenir a ocorrência de complicações em situações particulares, sempre acompanhadas de excelente iconografia.
Little pearls for routine cases
Na primeira edição dá-nos algumas notas básicas para casos standard relativas à criação da paracentese inicial, injeção de dispositivo visco-cirúrgico, correta dimensão e execução da capsulorhexis, remoção do córtex e hidratação da incisão principal.
Na edição seguinte, apresenta-nos uma técnica não invasiva de obter espaço num olho com uma câmara anterior estreita através da compressão do globo ocular com o recurso a um gancho de estrabismo, seguida de uma edição onde nos fala da sua técnica para cataratas polares posteriores denominada Escape Route, que torna mais segura a mobilização do epinúcleo aderente sem aumentar o risco de rutura da capsula posterior.
Pearls for the young cataract surgeon: the brunescent cataract
Pearls for the young cataract surgeon: the white cataract
As duas edições seguintes são dedicadas a duas situações desafiantes: cataratas brunescentes e cataratas brancas. Durante o texto vai-nos apresentando passo a passo quais os cuidados e a ter e estratégias úteis para que a cirurgia seja executada com sucesso e segurança.
Pearls for the young cataract surgeon: the pupil of concern
Seguidamente fala-nos sobre pupilas pequenas, nomeadamente acerca das diferentes estratégias farmacológicas e mecânicas para ultrapassar esta dificuldade e garantir um maior conforto cirúrgico.
Por fim, na última edição descreve algumas particularidade sobre a sua prática cirúrgica habitual, chamando a atenção da importância durante o período de aprendizagem para os sistemas de imagem e vídeo para visualização posterior e otimização dos gestos.